Tema principal de poesias, livros, filmes e obras de arte, o amor romântico sem dúvida está entre os sentimentos mais valorizados da nossa sociedade. Mas você já parou para pensar como surgiu o conceito de amor romântico?
Mais do que isso, até que ponto o amor romântico pode ser considerado uma construção social? E que consequências isso tem para a nossa forma de compreender os relacionamentos? Para saber isso e mais, é só continuar lendo.
Afinal, o que é amor romântico?
Embora seja uma tarefa muito desafiadora definir o que é o amor romântico, as pessoas têm enormes expectativas em relação a esse assunto.
Para a grande maioria, o amor romântico é um sentimento forte e profundamente subjetivo. Por isso mesmo, as pessoas atribuem inúmeros poderes a esse tipo de amor.
É bem comum a crença de que o amor romântico pode fazer com que as pessoas mudem profundamente. A superação de obstáculos e a aceitação incondicionais também são bastante associadas ao amor romântico.
Além disso, o amor romântico frequentemente aparece como uma justificativa legítima para que as pessoas cometam atos de forma imprudente. Mudanças profundas e repentinas na personalidade também costumam ser facilmente explicadas pelo amor romântico.
Mas como será que todas essas ideias surgiram?
Como foi criado o mito do amor romântico
O amor romântico é muito impactado por ideias e pensamentos que são transmitidos de geração para geração ao longo do tempo.
Um bom exemplo disso é Eros, divindade associada ao amor romântico nas mitologias grega e romana. Eros encarna diversos atributos que associamos, até os dias de hoje, ao amor. Leia e descubra como isso acontece.
Eros
Também conhecido como Cupido, este é provavelmente um dos grandes símbolos do amor romântico. Saiba mais sobre este deus da mitologia grega e entenda porque ele é utilizado para propagar o mito do amor romântico.
A imaturidade de Eros
Eros é filho de Afrodite, ou Vênus, a deusa da beleza. Ele é frequentemente retratado como uma criança com asas, frequentemente perto da mãe.
Muitos artistas mostraram Eros e Vênus ao longo da história da arte. Alguns dos mais populares são: Bordone, Giorgione, Frost, Rubens, Pellegrini, Bronzino, Velázquez, Battista, entre outros.
Esta escolha tem pouco de casual ou acidental. Acontece que, de acordo com a mitologia, Eros não tinha desejo próprio, apesar de ser detentor de um incrível poder.
Eros sempre está segurando arco e flechas. Com esses instrumentos, ele podia fazer com que as pessoas se apaixonassem de forma súbita e inconsequente. Vem daí a expressão “bancar o Cupido” para se referir a uma pessoa que une um determinado casal.
Eros costumava agir de acordo com os desejos de Vênus, auxiliando na realização dos planos, vinganças ou divertimentos da mãe. Por isso mesmo, ele não crescia.
Características do amor romântico imaturo
De acordo com a pesquisadora Ana Lucia Nogueira Braz, as diferentes formas da vida de Eros correspondem a metáforas. Cada uma delas representa um aspecto diferente do amor romântico.
Sob esta ótica, Eros criança representa o amor inconsequente e impulsivo. Além disso, a autora ressalta que a relação de Eros com Afrodite também tem uma simbologia específica. Quando o amor é acompanhado de egoísmo ou de planos de vingança, ele se torna nocivo.
O desenvolvimento de Eros
Durante um tempo enorme, Eros permaneceu como uma criança pequena. Preocupada, Afrodite foi buscar conselhos com outros deuses. Ela descobriu, então, que Eros precisava conhecer o sentimento de troca e de fraternidade para poder se desenvolver.
A partir disso, Afrodite decide ter mais um filho, Anteros. Os dois irmãos se tornam inseparáveis e, só a partir deste relacionamento, Eros começa a crescer. Anteros é a divindade associada ao amor que é recíproco.
Frequentemente os dois irmãos trabalhavam em conjunto. Eros, com suas flechas, era responsável por fazer o amor surgir. Anteros, por sua vez, é responsável por fazer com que o sentimento seja recíproco. Dependendo do caso, Anteros também pode agir no sentido de vingar pessoas apaixonadas cujos sentimentos são desprezados.
Com o tempo e na companhia de Anteros, Eros cresce e se torna um dos mais belos deuses da mitologia. Ele é representado, já como um jovem, por diversos artistas. Alguns deles são: Praxíteles, Caravaggio, Rubens e Bouchardon, entre outros.
Características do amor romântico correspondido
De acordo com a interpretação feita por Ana Lúcia Braz, o crescimento de Eros pode ser entendido como uma metáfora. O amor só pode crescer quando ele é correspondido.
Dessa forma, o amor romântico recíproco é visto como uma relação onde os dois envolvidos conseguem crescer juntos. Além disso, o desenvolvimento do amor romântico está ligado ao companheirismo, à fraternidade e à solidariedade.
A maturidade de Eros
Há outro ponto da mitologia que marca o amadurecimento de Eros. Trata-se do momento em que ele mesmo se apaixona.
A história, conforme Thomas Bulfinch conta no Livro de Ouro da Mitologia Grega, acontece da seguinte forma: havia três irmãs, todas belíssimas.
A mais nova, Psique, era particularmente mais bonita que as demais. Além disso, ela tinha outras qualidades, como a graciosidade e a gentileza. As pessoas começaram a homenagear Psique como se ela fosse a própria encarnação de Afrodite.
Com muita raiva, a deusa da beleza pediu ajuda de Eros para se vingar. Eros devia fazer com que Psique se apaixonasse por uma criatura repulsiva.
As duas irmãs de Psique logo casaram, enquanto a caçula permanecia solteira. Preocupados, os pais da moça foram consultar o oráculo, para saber o que deviam fazer.
Souberam, então, que Psique estava destinada a se casar com alguém que não era humano. Psique deveria ser levada até o alto de um morro, onde encontraria seu futuro marido. Apesar da preocupação dos pais, Psique se resignou e foi até o local indicado.
Ao chegar lá, ela aguardou até pegar no sono. Tudo, até então, estava ocorrendo de acordo com os planos de Afrodite. Bastava apenas que Eros executasse sua parte.
Acontece que, ao se aproximar da moça, Eros ficou perturbado com a beleza dela. Ele se distraiu e acabou se ferindo com a própria flecha. Com isso, Eros passou a amar Psique. Ele a levou para o seu palácio, onde seres invisíveis faziam tudo para agradá-la.
Características do amor romântico maduro
Para Ana Lúcia Braz, esse é um momento crucial para Eros. Aqui ele, que até então fazia todas as vontades de Afrodite, se torna um ser autônomo.
A vontade própria de Eros aparece na decisão de se casar com Psique, ainda que Afrodite considerasse a jovem como rival. A metáfora, aqui, é que o relacionamento romântico amoroso irá acontecer quando a pessoa estiver responsável e madura.
A decepção de Eros
Eros foi visitar Psique à noite, na mais completa escuridão. Ele avisou que ela poderia ter tudo o que desejasse. No entanto, ela jamais poderia vê-lo. Caso isso acontecesse, o casamento seria desfeito e Psique perderia tudo aquilo que tinha no palácio.
Ela concordou. Eros era um marido apaixonado e gentil que fazia todas as vontades de Psique, exceto permitir que ela o visse. Ela passou a amá-lo cada vez mais.
Com inveja da felicidade de Psique, suas irmãs insistiram para que ela tentasse ver o rosto do marido. Ela não resistiu à curiosidade. Em uma determinada noite, esperou que o marido dormisse e acendeu uma vela, para poder ver seu rosto.
Caiu um pingo de cera no rosto de Eros, que despertou cheio de dor e de mágoa pela traição da esposa. Ele decidiu, então, cumprir a advertência que tinha feito na primeira noite. Eros abandonou Psique e, dessa forma, ela perdeu o marido e o direito de ficar no palácio.
Características do amor romântico decepcionado
De acordo com Ana Lúcia Braz, a atitude de Psique serve para mostrar que as desconfianças podem enfraquecer qualquer relacionamento. Mesmo aqueles que parecem perfeitos.
Já a separação do casal Eros e Psique está relacionada ao fato de que o amor romântico não aceita nenhum tipo de mentira ou de traição.
A plenitude de Eros
Triste e desesperada, Psique foi pedir ajuda para Afrodite. A deusa deu quatro missões a Psique. Cada uma parecia ser mais difícil de realizar que a anterior. Entretanto, Psique conseguiu completar três delas.
A última missão consistia em descer até o mundo dos mortos e pegar uma caixa. Lá estava o segredo da juventude eterna. Psique deveria levar o objeto até Afrodite. No meio do caminho, entretanto, Psique fica curiosa e decide abrir a caixa. Isso fez com que a jovem caísse imediatamente no sono eterno.
Eros, ao ver a amada daquela maneira, perdoou imediatamente toda a dor que ela havia lhe causado. Ele tomou Psique nos braços e a levou até Zeus.
Depois, implorou para que ela acordasse do sono eterno e se tornasse imortal. Zeus atendeu o pedido. Eros, então, desperta Psique com um beijo. Ela se torna, então, a divindade associada à alma.
Características do amor romântico pleno
Para Ana Lúcia Braz, os obstáculos enfrentados por Psique demonstram a capacidade que as pessoas têm de mudar e de se superar.
Já o fato de Eros ter perdoado Psique simboliza o amor romântico pleno. Este tipo de sentimento se caracteriza pela capacidade de aceitação e de perdão, atributos necessários para um amor maduro.
Eros e Psique ficam juntos por toda a eternidade. Juntos, eles tiveram uma filha chamada Hedonê, a deusa do prazer. O mito de Eros e Psique deu origem a algumas das obras mais bonitas da história da arte. Elas foram feitas por artistas como: Canova, Bouguereau, Lagrenée, West e Batoni, entre outros
Características do amor romântico
Depois de conhecer o mito de Eros, é bem fácil perceber que ele incorpora uma série de características associadas ao amor romântico. Vamos relembrar cada uma delas:
- Impulsividade: O amor romântico está associado à ideia de que as pessoas podem desenvolver um sentimento profundo e forte de uma hora para a outra.
- Reciprocidade: De acordo com esta ideia, se duas pessoas estão juntas, em um relacionamento, o amor é recíproco. Logo, ambas irão crescer juntas.
- Maturidade: A ideia de que o amor romântico irá acontecer naturalmente, desde que a pessoa esteja madura o suficiente para isso.
- Confiança: A noção de que o amor romântico está ligado à confiança incondicional na outra pessoa.
- Superação: A ideia de que o amor romântico é capaz de superar qualquer tipo de obstáculo, independente da dificuldade.
- Transformação: Acreditar que o amor romântico pode gerar transformações significativas e profundas em uma pessoa.
- Sacrifício: Sob o ponto de vista do amor romântico, é normal que uma pessoa se sacrifique pela outra.
- Perdão: Outra característica do amor romântico está na aceitação completa do outro. A ideia é que o amor romântico perdoa toda e qualquer coisa.
- Plenitude: É o mito da alma gêmea. Ou seja: a crença de que cada pessoa tem um alguém especial e que essa relação fará com que ambos se sintam completos.
- Felicidade: Acreditar que duas pessoas que se amam romanticamente serão felizes por todo o sempre.
Então o que é amor não romântico
Definir o que é o amor é uma tarefa bastante difícil. Ao longo da história, escritores, poetas, filósofos, psicanalistas, entre outros já tentaram fazer isso. Entretanto, ao que conste, ninguém conseguiu alcançar uma definição universal.
Isto porque cada pessoa sente e demonstra o amor de um jeito particular, seja ele romântico ou não. Há diversas formas de amar e muitas delas não são românticas.
De acordo com a antropóloga Anna Machin, o amor romântico é supervalorizado. Muitas sociedades acreditam que ter um relacionamento romântico é essencial para a felicidade das pessoas.
No entanto, as mudanças sociais têm possibilitado o reconhecimento de que é possível ter uma vida plena e feliz sem um par romântico. Também é preciso ter em mente que os outros tipos de amor são igualmente importantes.
Ao longo da vida, construímos relações diferentes com seres diferentes. A forma como essas relações se desenvolvem depende de uma série de fatores. A ausência de um sentimento romântico não está relacionada à falta de amor.
Como exemplo, Anna Machin cita pessoas que sentem um amor genuíno por parentes, amigos e mesmo pelos pets. Esses tipos de amor não têm relação com o romantismo. Mas isso não torna o sentimento menos válido ou menos importante.
Também é preciso lembrar que, em muitos casos, o amor romântico está associado à ideia de exclusividade sobre os sentimentos de outra pessoa. Isso dificilmente acontece em relacionamentos onde o amor não é romântico.
Por este motivo, é possível que o amor não romântico faça com que as pessoas sintam mais liberdade para viver outros relacionamentos e experiências de vida.
Independente da definição, o amor não romântico é um sentimento genuíno, que deve ser reconhecido e valorizado. Ele pode trazer uma infinidade de possibilidades para as relações entre as pessoas.
Impacto do amor romântico na sociedade
Muito daquilo em que acreditamos sobre o amor romântico tem a ver com uma construção social. Ela foi feita durante séculos de história e envolveu diferentes campos do conhecimento.
Descubra a relação entre o amor romântico e algumas das mais importantes áreas da cultura.
Amor romântico e a literatura
O amor aparece em quase todas as formas de literatura ao redor do mundo. Dificilmente podemos dizer que esse tipo de sentimento é privilégio de uma única civilização.
É só dar uma olhada nas coletâneas de Mitologia Grega, Nórdica ou Africana. Todas elas estão recheadas de histórias sobre seres governados pela paixão e pelo amor. Além disso, diversos poetas, como Ovídio e Safo de Lesbos, também escreveram sobre o amor.
Amor romântico na literatura medieval
Mas quando o assunto são relações românticas na sociedade ocidental, os primeiros indícios serão encontrados durante a Idade Média. Foi nessa época que apareceram os primeiros casais de amantes em um sentido romântico.
Alguns deles são Tristão e Isolda, que existe desde o século 7. Trata-se de uma lenda que narra o amor impossível entre um cavaleiro e uma princesa.
Um pouco depois, durante o século 11, aparece o conceito de amor cortês. Era a prática que os cavaleiros europeus da época tinham de homenagear, com palavras de amor, uma mulher já casada.
O amor cortês consistia em idealizar a mulher, com gestos e palavras poéticas. Não havia qualquer pretensão de concretizar o sentimetno, ou seja, fazer sexo. O amor cortês era cheio de regras de conduta. Não por acaso, eram elaborados tratados com regras específicas.
Um pouco depois, durante o século 13, Dante escreve a Divina Comédia. A história tem pouco sobre o amor em si. Ela fala sobre uma viagem que o poeta faz por três espaços muito importantes para o imaginário da época. Inferno, purgatório e paraíso.
Entretanto, há uma passagem bastante emblemática para a história do amor na literatura ocidental. Quando Dante chega ao paraíso, ele encontra Beatriz. A personagem foi criada a partir de uma mulher real, que de fato foi casada com Dante. Ela é sua companhia constante neste espaço, considerado como perfeito pela religião católica.
Por este motivo, a união de Beatriz e Dante no paraíso é considerada um dos grandes pontos do amor romântico na literatura.
Amor romântico na literatura do renascimento e barroco
Já no final do século 16, o dramaturgo William Shakespeare escreve uma das histórias mais associadas ao amor romântico de todos os tempos.
Romeu e Julieta. O tema gira em torno do amor de dois jovens que, por serem de famílias inimigas, não podem ficar juntos. No final, ambos preferem morrer a viver separados.
Durante o século 17, o poeta Gregório de Matos fazia bastante sucesso aqui no Brasil. A poesia satírica do poeta provavelmente é a mais conhecida. Entretanto, ele também escreveu diversos poemas de amor romântico.
Amor romântico e romantismo
O século 18 marca o início da época de ouro das histórias de amor romântico na literatura. O romantismo, movimento cultural e artístico, surge justamente neste período. Trata-se de uma visão de mundo que está diretamente ligada à ideologia burguesa.
Portanto, uma das características do romantismo é a valorização do indivíduo, de suas vontades, capacidades, sentimentos e subjetividades. Um dos caminhos encontrados pelos escritores para mostrar todos esses atributos foi o amor romântico.
Portanto, é nesta época que foram produzidas na Europa obras como: Werther, A Dama das Camélias, Orgulho e Preconceito, O homem que ri, entre outros.
Aqui no Brasil, também tivemos muitos romances sobre o amor romântico. Alguns dos mais conhecidos são: A Moreninha, Senhora, A mão e a luva e o O guarani.
Na poesia também há muitos nomes importantes que falam sobre o amor romântico. Para citar alguns, temos Lord Byron, Charles Baudelaire, Castro Alves e Álvares de Azevedo.
Amor romântico e realismo
Da segunda metade do século 19 em diante, com o realismo, os romances começam a trazer outra visão sobre o amor romântico. São bastante comuns nessa época os livros que expõem o fracasso dos casamentos e os casos de adultério.
Em muitos romances, o fato de não haver amor no matrimônio faz com que a pessoa busque o sentimento em relacionamentos extraconjugais. Alguns romances muito conhecidos desta época são: Anna Kariênina, Madame Bovary, Os Maias, A Falência, Dom Casmurro, entre outras.
Amor romântico e violência na literatura do século XX
Quando o assunto é traição, machismo e violência motivados pelo amor romântico, poucos autores foram tão a fundo quanto Nelson Rodrigues. Sua obra é bastante extensa: crônicas, reportagens, peças de teatro, romances, entre outros.
Ler a ficção rodrigueana é muito eficaz para entender como funcionavam as engrenagens do profundo machismo no Brasil durante o meio século 20.
A série de contos A vida como ela é… aborda as diversas faces do amor romântico que leva à violência, ao abuso e à obsessão.
Amor romântico na literatura contemporânea
Já na literatura contemporânea, grande parte dos livros falam sobre a importância de ter uma vida interessante em diversas áreas. O amor romântico deixou de ser o foco principal das narrativas. Além disso, as personagens se desenvolvem independente de haver um relacionamento romântico.
Uma mulher sem ambição mostra a insistência em construir um relacionamento amoroso, mesmo sem sentimentos profundos. Morra, amor aborda a rotina sufocante e a falta de liberdade que um casamento pode provocar.
Controle narra o percurso de uma jovem para amadurecer, ao mesmo tempo em que tem um sentimento forte pela melhor amiga. Em O Jovem, a ganhadora do prêmio Nobel Annie Ernaux fala sobre um relacionamento amoroso com um homem bem mais novo.
Já o best seller Os sete maridos de Evelyn Hugo mostra como lidar com o amor romântico diante de uma sociedade extremamente preconceituosa.
Amor romântico e a filosofia
Apesar de ser um dos temas centrais na literatura, o tema do amor romântico foi evitado por muitos filósofos ao longo da história.
Durante a Idade Média, ficou bastante conhecida a história de amor entre Abelardo e Heloísa. Ele era professor e se apaixonou perdidamente pela aluna, extremamente inteligente e 23 anos mais jovem.
A paixão fez com que Abelardo se dedicasse à filosofia e à poesia. O casal terminou separado, sendo que cada um deles se dedicou à vida religiosa. Entretanto, eles trocaram diversas cartas. Nelas é possível ver, além do sentimento, a construção de diversas ideias filosóficas.
Já durante o século 16, Rousseau volta aos amantes medievais. Em seu livro Júlia ou a nova Heloísa, ele irá fazer uma interpretação própria da história de Abelardo e sua aluna. Apesar de ser um romance, o livro traz diversos fundamentos filosóficos da obra de Rousseau.
O alemão Schopenhauer via a paixão e o amor como fonte de infelicidade. Para ele, os dois sentimentos eram necessários, porém causavam apenas dor e dilaceramento. Trata-se de uma visão bem aproximada daquela que o movimento do romantismo irá expressar na literatura.
Nietzsche, por sua vez, não pensa sobre o amor romântico. Ao invés disso, ele elabora o conceito de amor fati, ou amor ao destino. Em poucas palavras,trata-se de dizer sim à vida e suas possibilidades, apesar do sofrimento que isso possa gerar.
Mulheres, filosofia e amor romântico
Hannah Arendt também elabora um conceito de amor que não se adequa aos padrões românticos. Para Arendt, o mais importante era o amor mundi.
Conforme explica o pesquisador Odilio Alves Aguiar, amor mundi é “a capacidade humana de se associar aos outros através do discurso e da intermediação do mundo. A amizade é, assim, condição para se pensar, julgar e agir”.
Simone de Beauvoir, por sua vez, se dedicou a pensar sobre o amor romântico dentro do contexto de um relacionamento não-monogâmico. Isso porque, durante boa parte da vida, foi desta forma que ela se relacionou com outras pessoas, incluindo o também filósofo Jean-Paul Sartre.
Amor romântico e a psicanálise
Para Freud, o pai da psicanálise, existem dois tipos de amor: o romântico e o inventado. O amor inventado seria, basicamente, uma criação. Afinal, cada pessoa imagina o seu par ideal. Ele é uma fantasia em diversos aspectos: físico, comportamental e emocional.
O amor romântico, por sua vez, acontece quando as pessoas se relacionam na realidade. Isso acaba gerando uma série de decepções, pois o par romântico não irá corresponder ao amor inventado.
Além disso, as pessoas percebem a impossibilidade de mudar a outra pessoa para fazer com que ela se encaixe perfeitamente na idealização. O sociólogo alemão Herbert Marcuse, faz uma profunda reflexão sobre as ideias de Freud no livro Eros e Civilização.
Jacques Lacan, por sua vez, faz uma importante distinção entre paixão e amor. Para ele, a paixão acontece quando vemos o outro como objeto. Por isso se trata de um sentimento inflamado, egoísta e causa sofrimento.
Já o amor acontece quando vemos a outra pessoa como sujeito. Logo, o amor vem junto com o conhecimento e com a generosidade.
Amor romântico e o casamento
A ideia de casar por causa do amor romântico é relativamente recente na história da humanidade. A mulher que ia se casar não era consultada neste processo. Afinal, o casamento era visto como um meio para preservar os bens financeiros e a riqueza das famílias envolvidas.
Ou seja: durante um bom tempo, o matrimônio era uma troca entre o pai da noiva e o futuro marido. Essa troca envolvia uma mulher, a noiva e uma quantia em dinheiro, o dote de casamento.
O dote existiu em diferentes épocas e culturas, desde a antiguidade. Em algumas sociedades, esta tradição ainda acontece.
No ocidente, inclusive aqui no Brasil, esse quadro só começa a mudar durante o século 19. A mudança de mentalidade tem relação com o surgimento de correntes de pensamento como o romantismo.
Neste período, as escolhas individuais começam a ser cada vez mais valorizadas. A partir disso, os desejos e sentimentos dos noivos passam a ser levados em conta para a realização dos casamentos.
É, portanto, neste período que os casamentos começam a acontecer por causa do amor romântico.
Amor romântico e a cultura pop
As produções de cultura pop, via de regra, dão uma importância gigantesca para o amor romântico. Quer comprovar isso? Tente pensar em 5 filmes, livros ou séries pop onde o romance fique em segundo plano.
É mais difícil do que parece, não é mesmo?
O relacionamento romântico é utilizado pela maior parte das narrativas para desenvolver o personagem e para aumentar o interesse do público. Aliás, não é raro vermos o romance crescer junto com os personagens. Como se uma coisa não fosse possível sem a outra.
Como um todo, essas produções acabam passando a ideia de que ninguém pode viver uma experiência significativa sem viver, também, um romance. Além disso, essas produções induzem as pessoas a crer que um relacionamento romântico irá ajudar uma pessoa a se desenvolver.
Isso acaba fazendo com que as pessoas deixem todos os outros relacionamentos em segundo plano para valorizar apenas o amor romântico.
Na música pop, isso não é diferente. Uma enorme quantidade de letras fala sobre o amor romântico, correspondido ou não. E não há nada de errado com isso.
Mas é importante ter em mente que os demais sentimentos, vivências e relacionamentos merecem o mesmo cuidado, valorização e dedicação.
10 livros para entender o amor romântico
Você está buscando dicas para ler e saber mais sobre o amor romântico? Confira 10 títulos para quem quer mergulhar no assunto.
- Madame Bovary: Esse livro incrível conta a história de uma jovem sonhadora e romântica, Emma, que casa com um homem simples e comum. Decepcionada por não viver o amor arrebatador com que sempre sonhou, Emma Bovary começa a ter casos extraconjugais. Madame Bovary mostra, de um jeito bem realista, o quanto o mito do amor romântico pode decepcionar uma pessoa.
- Drácula:Sim, este é o livro que deu origem ao vampiro mais conhecido de todos os tempos. Acontece que ele gira em torno de uma das principais ideias do amor romântico. Aquela que acredita em almas gêmeas. Todo em forma de cartas, este livro cria uma atmosfera de mistério para mostrar a incansável busca de um ser imortal pelo seu único e verdadeiro amor.
- As afinidades eletivas: Este belíssimo clássico narra a história de dois casais que vivem juntos por um determinado período. Com o tempo, cada pessoa se aproxima daquela com quem tem mais afinidade. Embora os protagonistas estejam em relacionamentos com regras de conduta estejam bem definidas, as experiências eróticas e afetivas acontecem independente de quaisquer convenções sociais.
- O mundo pós-aniversário: A premissa deste livro é bem diferente. Em uma determinada noite, a protagonista, uma mulher com um casamento bem sólido, sente uma enorme atração por outro homem. Vale a pena arriscar e viver uma nova relação? A partir daí, a autora apresenta, capítulo a capítulo, os desdobramentos e as consequências de cada uma das escolhas. O mais legal é que não há uma resposta óbvia ou um caminho melhor ou pior que o outro. Cada um tem seus aspectos positivos e negativos.
- Dom Casmurro: A história gira em torno de Bentinho, que ainda adolescente se apaixona pela vizinha Capitu. Logo eles se casam e, ao que parece, o relacionamento é ideal. Acontece que, em pouco tempo, Bentinho se vê cada vez mais atormentado diante da possibilidade de ser traído. Independente do que tenha ou não acontecido de fato, o livro mostra como o amor romântico pode ser facilmente confundido com posse e obsessão.
- Livro de Sonetos: “Que seja infinito enquanto dure”. Essa frase, muito utilizada por pessoas que gostam de se entregar ao momento, foi criada por um dos maiores poetas brasileiros. Vinicius de Moraes. O tema principal da poesia de Vinicius é o amor romântico. Nos sonetos, é possível conhecer diversas formas, todas poéticas, de falar sobre este assunto.
- Anna Karênina: Uma mulher casada descobre o arrebatamento da paixão com outro homem. A partir daí, Anna desfaz o matrimônio e desafia todas as convenções sociais para viver o amor romântico. Acontece que, neste processo, ela fica sem nenhum outro relacionamento significativo. Seus amigos lhe viram as costas, o marido proíbe que ela veja o filho, mesmo os parentes a evitam. O amante de Anna, entretanto, enfrenta pouquíssima reprovação social. Ele continua a ter uma vida com profissão, compromissos e amigos. O livro acompanha o que acontece com o casal em circunstâncias tão díspares.
- A parte que falta: Com desenhos simples e em linguagem de livro infantil, este livro é sobre uma criatura que se sente incompleta. A partir disso, ela sai pelo mundo procurando a parte que falta. É uma leitura rápida e simples, mas bem contundente sobre relacionamentos românticos e as expectativas que as pessoas criam.
- Grande sertão veredas: Em uma linguagem extremamente criativa e poética, este livro fala sobre o jagunço Riobaldo. Ele se apaixona perdidamente por Diadorim, sua companhia constante em um universo áspero e masculino. Nesse ambiente extremamente conservador e preconceituoso, pode haver espaço para os sentimentos românticos?
- Na casa dos sonhos: A protagonista do livro realiza, finalmente, o sonho de conhecer o amor de sua vida. Em pouco tempo,as duas passam a morar juntas. Entretanto, logo fica claro que o relacionamento está muito longe de ser ideal. Este livro perturbador e impossível de parar de ler fala sobre como é estar em um relacionamento abusivo.
O amor romântico morreu?
Quando o assunto são seres humanos, nunca existe uma resposta definida. O que existem, sempre, são possibilidades. Os relacionamentos entre as pessoas podem se desenvolver de inúmeras formas. Algumas delas são românticas, outras não.
Embora o modelo de relacionamento romântico seja uma construção social, ele pode, sim, ser válido para algumas pessoas. Mas está longe de ser uma obrigação para todo mundo ou um pré-requisito para ser feliz.
Em qualquer relação, romântica ou não, o importante é que todos sejam adultos, responsáveis e que se respeitem. E cabe apenas aos envolvidos decidir se o relacionamento será romântico ou não.
Tenha em mente que existem diferentes formas de sentir e de se relacionar. O fato de um sentimento ser romântico não faz com que ele seja melhor ou pior que outro. Afinal, todas as relações e sentimentos devem ser valorizadas e respeitadas da mesma forma.