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Dote de casamento: origem e consequências na sociedade

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Você já ouviu falar em dote de casamento? Trata-se de uma prática que existiu e existe ao longo do tempo, em diferentes culturas. Hoje vamos falar um pouco mais sobre o que é o dote e como ele acontece. 

Também vamos explicar os motivos pelos quais ainda é possível perceber as consequências do dote na sociedade. Bateu a curiosidade? Continue lendo e saiba mais.

O que é e como funciona um dote de casamento?

Uma boa forma de compreendermos o que é um dote está na análise da palavra. “Dote” tem origem latina e significa dar um presente. Ou seja: o dote é composto por bens materiais que são trocados entre a família e um dos noivos devido ao casamento. 

O dote pode ser composto por qualquer coisa que tenha valor financeiro. Algumas das mais comuns eram: dinheiro, títulos de propriedade, jóias, animais, entre outras. Quem dá e quem recebe o dote também pode variar de acordo com os costumes culturais. 

Há casos em que o noivo paga um determinado valor para que a família da noiva concorde com o casamento. Em outras culturas, entretanto, é a família da noiva quem dá um valor significativo ao noivo como dote de casamento. 

Como surgiu o dote de casamento

O dote de casamento é parte da tradição em diversas culturas. De forma que não é possível afirmar uma única origem para o surgimento do dote. Mas uma coisa é certa.

O dote existe como parte de uma transação entre dois homens, o pai da noiva e o noivo. Os dois realizam uma troca que envolve bens materiais (o dote) e uma mulher (a noiva). Logo, a tradição do dote vem de culturas em que as mulheres são vistas como propriedade dos homens. 

É importante ter em mente que, por longos períodos da história, as mulheres não podiam trabalhar. Portanto, elas eram impedidas de ganhar o próprio sustento. Essa situação fazia com que as mulheres estivessem sempre em uma posição de dependência em relação a um homem. 

Na maior parte das vezes, o pai sustentava a filha até que ela se casasse e então a responsabilidade passava a ser do marido. Como consequência, as mulheres eram vistas como um fardo. Além disso, elas não podiam decidir o próprio destino e deviam aceitar as ordens de seus pais ou maridos. 

Ou seja: o dote de casamento é um hábito cultural que reforça a falta de autonomia das mulheres em uma sociedade. Afinal, ele é um pagamento negociado entre dois homens para que o matrimônio possa acontecer.

Dote de casamento na bíblia

A Bíblia traz algumas menções ao dote de casamento. Vamos ver um pouco mais quais são elas.

Em Gênesis 29, Jacó, que queria casar com Rachel, trabalha para o sogro como meio de obter a autorização para o matrimônio. A lógica por trás desse tipo de dote é simples.

Uma filha solteira pertencia ao pai, ao passo que uma mulher casada passava a pertencer ao marido. Um homem que se casava, portanto, estava adquirindo uma propriedade: sua esposa. Sob esta ótica, a ideia por trás do dote é a de que o pretendente deveria compensar o pai da noiva pela perda de uma mulher. 

Outro tipo de dote de casamento é aquele em que o pai dá um determinado valor em dinheiro como presente para o casal. No livro Reis 9, uma das esposas de Salomão recebe a cidade de Gezer como dote de casamento. 

Outro tipo de dote mencionado na Bíblia é aquele em que os dois noivos trocam presentes entre si. Em Gênesis 24, Rebeca recebe do pretendente jóias, vestidos e outros objetos preciosos.

Quem paga dote para casar?

Quem paga e quem recebe o dote pode variar, dependendo dos costumes culturais.Na tradição ocidental, é a família da noiva quem dá o dote de casamento. Em diversas sociedades orientais, entretanto, espera-se que o noivo arque com as despesas do dote.  

Vamos começar falando sobre o dote de casamento no ocidente, pois ele permite conhecer um pouco melhor nossa história. 

O  dote de casamento no ocidente

Antes de falarmos sobre o dote, é preciso entender um pouco melhor como surgiu o matrimônio ociedental. Embora o hábito de celebrar casamentos esteja presente em quase todas as sociedades do mundo, o matrimônio ocidental tem uma história específica, que começa na Idade Média. 

Durante o século 11, a Igreja Católica determinou que todos os casamentos deveriam ser realizados de forma pública, com a participação obrigatória de um sacerdote. O objetivo principal do casamento, nesta época, era formar alianças políticas e financeiras. 

Dessa forma, era mais fácil garantir o direito de propriedade à família, através da linhagem consanguínea e do sistema de herança. Com o casamento ocidental, os bens financeiros passam de geração em geração. Logo, as famílias ricas podem acumular bens materiais ao longo do tempo.

As mulheres na sociedade medieval

Vale lembrar que a sociedade medieval é marcada pela primazia dos homens e pela opressão das mulheres. Portanto, as mulheres eram vistas como propriedade dos homens e não tinham qualquer poder de decisão sobre a própria vida. 

Cabia ao pai de uma jovem decidir com quem ela iria se casar. O principal fator levado em consideração eram as vantagens financeiras e políticas que poderiam ser obtidas com o matrimônio. 

O dote de casamento era dado pelo pai da noiva ao futuro marido por dois motivos. O primeiro era conseguir um bom matrimônio. Ou seja: o dote era um meio de atrair um noivo que trouxesse prestígio para a família da noiva. 

As mulheres não tinham qualquer participação na escolha de quem seria seu marido. O processo de decisão cabia ao pai da futura noiva e era comum que meninas de 14 ou 15 anos se casassem com homens de 50 ou 60 anos de idade.

Outro motivo para o pagamento do dote é que ele funcionava como uma espécie de compensação financeira. As mulheres não podiam trabalhar. Portanto, o pai de uma mulher era responsável pelo seu sustento até que ela se casasse. Depois disso, a responsabilidade passava a ser do marido. 

Muitas mulheres que não tinham um dote ficavam solteiras por toda a vida. Neste caso, a única alternativa era a vida religiosa. Isso porque, na Idade Média, uma mulher não podia viver sozinha, sem que um homem fosse responsável por ela. 

Vale lembrar aqui que estamos falando de casamentos que aconteciam entre pessoas de classes mais altas. 

As mulheres mais pobres, embora casassem, tinham uma vida bastante diferente. A grande maioria delas trabalhavam sim, e muito. No entanto, elas não podiam viver de forma independente. Elas também precisavam escolher entre a vida religiosa ou o casamento, sem dote.

Cultura do estupro e dote de casamento

Houve poucos momentos históricos, aliás, em que a visão da mulher como propriedade foi tão forte quanto durante o medievo. 

Apenas para dar uma noção, o estupro passou a ser considerado crime neste período. E não tem nada a ver com o mal que era causado às mulheres como pessoas. O estupro na Idade Média era, antes de tudo, um crime contra a propriedade.

Acontece que o valor de uma mulher era indissociável da virgindade e da pureza. Quando um homem estuprava uma jovem solteira, ele estava danificando a propriedade do pai dessa mulher. Afinal, o valor dela como noiva era drasticamente reduzido, já que se tratava de uma mulher sem a virgindade. 

Como consequência, o valor do dote de casamento para uma noiva nestas condições deveria ser muito maior. E, ainda assim, havia uma grande probabilidade de que nenhum homem aceitasse o matrimônio. 

Quando uma mulher casada sofria um estupro, também se tratava de um crime contra a propriedade. Isso porque considerava-se que o corpo da mulher pertencia ao marido. Logo, o estuprador estava usando aquilo que pertencia a outro homem. 

Para entender melhor a cultura do estupro na Idade Média

Três livros publicados no Brasil abordam a questão do estupro na Idade Média com profundidade. O primeiro é A História do Estupro, de Georges Vigarello. Como o nome indica, este livro aborda como surgiram as noções de crimes sexuais na nossa sociedade e seu desenvolvimento até os dias atuais. 

Já o livro Eva e os padres, de Georges Duby, aborda a complicada relação entre mulheres, sexualidade e religião. Um dos aspectos comentados pelo autor é o que acontecia quando uma mulher acusava um homem de estupro. 

Por fim, O último duelo, de Eric Jager, narra um acontecimento histórico do século 13, onde uma mulher casada acusa um nobre de estupro. Vale lembrar que este livro recentemente virou também um filme de sucesso.

Uma breve história sobre o dote de casamento no Brasil

A tradição de que a família da noiva deveria dar um dote ao futuro marido continuou ao longo dos séculos na Europa. De acordo com a historiadora Mariana Muaze, o sistema de dote do Brasil colonial veio dos hábitos portugueses. 

A função principal do sistema de dote era expandir as famílias europeias, promovendo um melhor funcionamento do sistema colonial. De acordo com a tradição, a família da noiva pagava o dote. Ele era como um adiantamento da herança. 

Logo, o dote de casamento tinha a função de garantir que as riquezas pudessem ser transmitidas do pai da noiva para o futuro marido. 

É importante ter em mente, também, que as mulheres não tinham qualquer opinião sobre com quem elas iriam casar. Inclusive, era comum que os noivos se conhecessem no dia em que o casamento ia ser celebrado.

Justamente por envolver herança e transferência de propriedades, o dote era um costume das famílias brancas, com boa situação financeira. 

Uma observação importante. Nessa época, o Brasil tinha uma imensa quantidade de mulheres indígenas, africanas, afro-brasileiras e de outras etnias. 

Muitas delas eram forçadas a trabalhar, inclusive em regime de escravidão. Embora muitas dessas mulheres pudessem se casar, por razões óbvias, não havia dote envolvido. 

O dote de casamento no Brasil do século 18

No século 18, o dote da noiva tinha um valor que ia além do financeiro. Era também uma forma de demonstrar que a família da noiva valorizava e apoiava a união

Portanto, o dote de casamento tinha um grande valor simbólico. Como se isso não bastasse, o dinheiro do dote podia ser decisivo para que o casal conseguisse se sustentar, especialmente no início do matrimônio. 

Isso era particularmente importante no caso de pessoas que não vinham de famílias ricas. Uma mulher sem dote de casamento era socialmente percebida como alguém que não tinha valor. 

As famílias de classe média costumavam fazer um grande esforço para economizar e dar um dote para todas as filhas. 

Além disso, as igrejas e demais associações de caridade frequentemente ajudavam as mulheres mais pobres a ter algum dote. Essa era a garantia de que elas teriam condições de arranjar um casamento. 

Vale lembrar que a historiadora Mariana Muaze escreveu um livro incrível sobre família, patrimônio e casamentos no Brasil do século 18. Chama-se As Memórias da Viscondessa e é uma leitura recomendadíssima para quem quer saber mais sobre esse período.

Qual o valor de um dote de casamento?

Aqui no Brasil, o dote era considerado como um adiantamento da herança. Acontece que, ao casar, a mulher perdia o direito de herdar qualquer bem material dos progenitores.

Logo, entendia-se que o dote de casamento deveria corresponder ao valor da herança que a noiva receberia se não houvesse se casado. 

Por exemplo: se um casal tivesse três filhas, cada uma delas deveria receber como dote um terço do valor total dos bens de seus pais. 

O dote de casamento, entretanto, não precisava ser necessariamente em dinheiro. Era comum que terras, jóias, animais e outros bens fizessem parte do montante. 

Vale lembrar que, embora o dote seja um presente para os dois noivos, quem de fato decidia sobre todos os aspectos da vida financeira do casal era o homem. 

Isso porque por um enorme período de tempo as mulheres não tinham nenhum tipo de autonomia financeira. Em suma, como explica o historiador Luiz Felipe Ribeiro, o casamento era um contrato entre dois homens: o pai da noiva e o futuro marido.

Quando o dote de casamento acabou no Brasil?

A prática do dote de casamento no Brasil começou a mudar no século 19. Isso porque o casamento deixou de ser visto apenas como um contrato para preservar os bens materiais das famílias. 

Com a mudança de mentalidade, vinda de correntes de pensamento como o romantismo, as escolhas individuais passaram a ser mais valorizadas. Os desejos e sentimentos de cada um dos noivos passaram a ser levados em conta para a realização dos casamentos. 

É neste período que o matrimônio passa a ser associado com o amor. Alguns escritores importantes registraram essa mudança de paradigma. Em Senhora, José de Alencar mostra os conflitos entre sentimentos e interesse financeiro na sociedade carioca.

A individualidade e o fim do dote de casamento

Em decorrência da valorização dos sentimentos individuais, o valor dos dotes de casamento começa a diminuir. Além disso, começa a ser possível que uma mulher se case mesmo sem o dote. 

Afinal, o mais importante era que os dois noivos se sentissem romanticamente atraídos um pelo outro. A autoridade da família na escolha do marido diminui drasticamente neste processo. 

Entretanto, isso não significa necessariamente uma maior autonomia das mulheres casadas. O que aconteceu foi que elas ficaram mais subordinadas ao poder de seus maridos. 

A divisão de papéis de gênero ao longo de todo o século XIX era bastante acentuada e as regras eram claras. O homem era responsável pelo trabalho e pelo sustento da família. A mulher deveria obedecer ao marido, cuidando das tarefas domésticas e da criação dos filhos. 

Para termos uma ideia da dependência a que as mulheres estavam sujeitas, basta olhar para a legislação. De acordo com  Código Civil de 1916, a mulher casada era considerada legalmente incapaz de resolver qualquer assunto financeiro. 

Isso significa que para trabalhar, receber herança ou administrar qualquer bem do casal era necessário ter a autorização expressa do marido. 

A situação só mudou de fato com o Estatuto da Mulher Casada, de 1962. A nova lei permitia que as mulheres casadas pudessem ter uma maior independência financeira sem precisar de autorização do cônjuge. 

Afinal, ainda existe dote de casamento?

No primeiro plano da foto, há o antebraço de uma mulher e de um homem no que aparenta ser um casamento indiano. A mão da mulher está com tatuagem de henna indiana. No fundo da foto, há um homem e uma mulher sentados com roupa típica da Índia.

Para além da cultura ocidental, é possível encontrar a prática do dote de casamento em diversos outros lugares. Em muitas sociedades, o dote ainda existe e é uma parte importante do casamento. 

Saiba mais sobre o dote de casamento ao redor do mundo.

Dote de casamento na Índia

O dote de casamento é uma questão extremamente delicada no país. De acordo com as antigas leis hindus, as mulheres não podiam ter propriedades. Mas era possível registrar o dote de casamento no nome da noiva. 

Portanto, tradicionalmente, a família da mulher dava um dote em forma de ouro, jóias e pedras preciosas. Por estar sob controle da noiva, esse dote tinha dois objetivos principais. 

O primeiro era fazer com que a recém-casada tivesse uma boa posição dentro da nova família. O segundo objetivo era garantir algum recurso financeiro para a mulher, em caso de emergência.

Acontece que o domínio britânico sobre a Índia mudou dramaticamente a questão. As mulheres perderam o direito de controlar o próprio dote. O valor financeiro passou a ser dado diretamente ao futuro marido e sua família. 

Como consequência, as mulheres passaram a ser cada vez mais desvalorizadas pelo marido e pela nova família. A Índia é um país extremamente patriarcal e, em comunidades mais tradicionais, as mulheres não trabalham fora. Logo, elas acabam dependendo dos homens para sobreviver. 

Dote de casamento e violência na Índia

Embora a prática do dote de casamento tenha sido legalmente proibida em 1961, as tradições falam mais alto. Ainda hoje, é comum que a família da noiva faça o pagamento do dote para que o casamento ocorra. 

O que acontece, até os dias de hoje, são inúmeros conflitos ligados ao dote de casamento. Não é raro que o marido se sinta frustrado com o valor do dote. Nesse caso, ele acaba descarregando sua raiva na esposa. 

Os índices de violência doméstica no país são alarmantes. Além disso, muitas mulheres se sentem deprimidas a ponto de cometer suicídio. 

Dote de casamento Árabe

Já quando o assunto é o casamento islâmico, é o homem quem paga o dote para a noiva. Vamos começar pelo princípio. 

Para a cultura árabe, o matrimônio é algo sagrado e é a única forma aceitável para que um casal tenha relações sexuais. Logo, para formar uma família, é necessário haver uma união formal. 

Tradicionalmente, o noivo deve fazer o pedido de casamento para o guardião legal da mulher. Este guardião costuma ser o pai, tio ou algum parente próximo do sexo masculino. 

O guardião da noiva não pode receber nenhum tipo de dinheiro ou presente para autorizar o casamento. Além disso, a noiva deve concordar com o matrimônio de livre e espontânea vontade. 

A mulher estipula o valor do dote, de acordo com as possibilidades financeiras do noivo. Via de regra, não é indicado pedir algo que tenha apenas valor simbólico. Mas também não se deve pedir um dote alto demais. 

Quem paga o dote de casamento na cultura árabe

O dote, ou mahr, é pago pelo futuro marido e deve ser dado diretamente para a noiva. E ela pode usar o dinheiro conforme achar mais conveniente. 

Em hipótese nenhuma o homem pode pedir o dinheiro de volta nem opinar em como o dinheiro será gasto. O mahr é de propriedade exclusiva da esposa. Lembrando que o não pagamento do dote pode ser motivo para anular o casamento. 

Os cônjuges têm direitos e deveres bem estabelecidos dentro do matrimônio. A mulher deve cuidar da casa e obedecer o marido em todas as instâncias. O homem, por sua vez, tem o papel de sustentar a esposa e os filhos, sem deixar faltar nada. 

Outro ponto importante é que cada mulher pode ter apenas um marido. Os homens, por sua vez, podem ter até quatro esposas, desde que tenham condições financeiras de sustentar todas elas. Isso inclui, é claro, o pagamento do mahr

Dote de casamento na China

Na China, o casamento não é a união entre duas pessoas, mas sim entre duas famílias. Portanto, é bastante comum que um grande número de pessoas esteja envolvida no matrimônio. O ritual começa com o pedido. É um processo longo, que envolve a troca de presentes entre as duas famílias. 

De acordo com as tradições, o homem que deseja casar deve enviar presentes para a casa da noiva. Normalmente são cerca de 30 itens diferentes, cada um deles com um significado especial. 

Os objetos podem variar muito de acordo com o padrão socioeconômico de cada grupo. Mas é importante que os presentes deixem claras as intenções do homem. 

Se as duas famílias concordarem com o casamento, é necessário procurar um monge. Ele irá analisar a compatibilidade dos noivos, através da hora e data de nascimento de cada um deles.Para os chineses, isso equivale a pedir a bênção divina para que o matrimônio se realize. 

Noivado na cultura chinesa

Depois disso, o noivado pode ser oficializado. O homem deve enviar uma carta para a família da mulher, confirmando a intenção de se casar. Depois, a família do noivo e da noiva trocam presentes. Todos eles devem ter significados especiais, para trazer sorte e prosperidade ao casamento. 

O objetivo da troca é demonstrar que as duas famílias estão dispostas a receber os noivos com o coração aberto. As duas famílias, então, devem decidir a melhor data para oficializar a união, de acordo com o horóscopo chinês. 

Alguns dias antes do casamento, a família da noiva deve pagar o dote. O valor costuma ser combinado previamente entre os pais de cada um dos noivos. Além disso, a família da noiva também deve enviar um enxoval para a casa do futuro marido. 

Ele pode incluir utensílios domésticos, roupas de cama, mesa e banho, jóias e até objetos para bebês. O noivo, por sua vez, deve providenciar a casa, carro e móveis.

Lembrando que esta divisão pode variar de acordo com o arranjo acordado entre as duas famílias ao longo do processo.

Dote de casamento na África

Muitos países do continente africano também preservam a tradição dos dotes de casamento. Conheça algumas formas de dote de casamento africano.

Alambamento

Na Angola, o pretendente recebe uma lista do tio da noiva. Na lista estão diversos presentes que o noivo deve apresentar no dia de fazer o pedido oficial de casamento. Na maior parte das vezes, os itens são: tecidos, cerveja, animais e uma quantia em dinheiro, entre outros. 

Depois, as duas famílias se reúnem sem a participação dos noivos para decidir se o casamento pode ser realizado ou não. Esta cerimônia tem o nome de alambamento e ela é considerada tão importante quanto o dia do matrimônio. 

Lobolo

Já em Moçambique acontece o lobolo. É um ritual onde a família do noivo leva uma certa quantia em dinheiro para a família da noiva. 

Mais do que o pagamento de um dote, é uma forma de agradecer à família da noiva pelo casamento. Trata-se de uma tradição antiga, que tem como objetivo fazer com que o casamento seja reconhecido por toda a comunidade. 

Preço de noiva

Na Nigéria, a família do noivo deve pagar o preço da noiva. Na prática, isso significa certos bens materiais, que podem ser dinheiro ou objetos de valor. Eles são um reconhecimento pela boa educação da noiva. 

O preço da noiva também tem como objetivo mostrar que o pretendente tem condições financeiras de sustentar uma família. 

Buchi Emecheta é uma das maiores escritoras nigerianas de todos os tempos. Ela fala detalhadamente sobre o casamento nigeriano e suas consequências para as mulheres nos romances Preço de Noiva

Já em As Alegrias da Maternidade, Emecheta narra o que acontece quando uma esposa nigeriana não consegue atender às expectativas do marido. 

Ambos são romances fantásticos, que abordam a condição feminina em um país machista e opressor. As histórias são universais e deveriam ser lidas por todas as pessoas que se interessam por feminismo, igualdade e autonomia. 

As consequências do dote de casamento na nossa sociedade

uma mulher está olhando diretamente para a câmera. Ela está com a maquiagem do rosto borrada e segura um papel em frente a boca. Nesse papel, está desenhado um sorriso, mas é possível notar, pelo olhar da mulher, que ela não está sorrindo por trás do papel.

Quando consideramos a história dos dotes, podemos perceber que há uma relação muito grande entre casamento, machismo e dinheiro.

Em sociedades onde as mulheres não possuem autonomia financeira, elas se tornam uma propriedade a ser negociada entre os homens. Ao longo da história ocidental, as mulheres foram trocadas por poder, prestígio ou outras vantagens. 

Os sentimentos, desejos e pensamentos das mulheres em relação ao casamento só começou a ser levado em conta a partir do século 19. Mesmo período, aliás, em que o dote de casamento caiu em desuso. Isso indica que a autonomia da mulher e o dote de casamento são incompatíveis entre si. 

Dinheiro, tradição e casamento hoje

Infelizmente, ainda hoje podemos ver as consequências sociais dos dotes de casamento. Algumas delas são aparentemente inofensivas. 

Por exemplo: ainda hoje, tradicionalmente, é a família da noiva quem deve arcar com as despesas da festa de casamento. Isso ocorre porque o dote deixou de existir. Mas ainda permanece a mentalidade segundo a qual os pais da noiva devem contribuir financeiramente para o casamento. 

Esse ranço machista é o mesmo que perpetua a percepção de mulheres como objetos que pertencem aos homens e que podem ser trocadas entre o pai e o noivo. 

Uma consequência bastante grave dessa mentalidade está nos índices de violência doméstica, violência sexual e de feminicídio

A maior parte dos homens que se sentem no direito de cometer violência contra as esposas ou companheiras fazem isso por um motivo simples. Eles acreditam que as mulheres são propriedades suas. 

Em um país como o Brasil, que tem a taxa de mais de 30 mil denúncias de violência doméstica em seis meses, é fundamental mudar a forma de pensar o quanto antes. 

Estupro e casamento nos dias de hoje

As consequências dessa visão que percebe as mulheres como propriedades está diretamente relacionada com a lógica do estupro

Afinal, propriedades são, antes de qualquer coisa, objetos que podem ser utilizados de acordo com os desejos e necessidades dos homens. Ainda nos dias de hoje, podemos perceber que as mulheres são um grupo particularmente vulnerável quando o assunto é violência sexual. 

Uma breve olhada para as leis ao longo do tempo podem ajudar a entender o quanto o estupro está relacionado à ideia de que a mulher era apenas uma propriedade de seu pai ou marido.

O primeiro Código Penal da República Brasileira, criado em 1890, previa uma pena de até seis anos caso a vítima fosse uma mulher considerada “honesta”. Ou seja, com conduta socialmente bem aceita. 

No entanto, se a vítima fosse uma prostituta, o tempo máximo de prisão para o estuprador era de apenas dois anos.

Embora o crime de estupro nunca tenha saído do Código Penal ao longo dos anos, o estupro marital, ou seja, a noção jurídica de que um marido ou companheiro pode estuprar a própria esposa é muito recente. 

Conforme aponta a pesquisadora Iraciele Paulo, o estupro marital passou a ser tipificado apenas depois de 2006, com a Lei Maria da Penha

Justamente por ser uma legislação que existe há cerca de 15 anos, muitas mulheres ainda não sabem que ter relações sexuais forçadas dentro do casamento é um crime.

A importância da autonomia financeira 

Outro ponto importante é a autonomia financeira da mulher. As culturas onde o dote de casamento é forte são aquelas onde, tradicionalmente, as mulheres não ganham um salário. 

Vale lembrar que o dote, independente de qual seja, está ligado à obrigação que o homem tem de sustentar sua esposa. 

Portanto, ter o próprio dinheiro e garantir sua independência financeira é um ponto chave para que a mulher deixe de ser vista como objeto. Apenas com autonomia financeira as mulheres podem reivindicar os mesmo direitos e deveres dos homens. 

Vale lembrar que a entrada das mulheres no mercado de trabalho foi um fator decisivo para que o movimento femista ganhasse cada vez mais força. Afinal de contas, a independência financeira é essencial para qualquer pessoa decidir como prefere viver.

Hoje, o casamento é uma opção para a grande maioria das mulheres. Da mesma forma, o divórcio, ter ou não filhos, entre outras, são escolhas totalmente individuais. Ou seja: cada mulher pode escolher livremente como e com quem deseja viver.

Isso só é possível porque as mulheres hoje trabalham e têm autonomia financeira. Esse é um passo fundamental para não ser percebida como propriedade pelos homens ou por quem quer que seja.

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